Igreja e Casa do Despacho (séculos XVI-XVIII)
Como ponto de partida para a história da igreja, casa do despacho e estruturas anexas que formam o núcleo arquitectónico/artístico da Santa Casa da Misericórdia de Vila Real (infelizmente mal documentado, do século XVI aos finais do século XVIII), temos o ano de 1528. Em 20 de Março de 1528, foi comprada uma "morada de casas" a Rui Dias, escudeiro e tabelião de Vila Real, e a sua mulher Isabel Lobo, para se edificar a igreja da Misericórdia.
A construção da Igreja só foi possível com o apoio que para o efeito encontrou em Pedro de Castro. O edifício da Misericórdia, iniciado provavelmente ainda em 1528, estava concluído e em pleno uso em 1538, ainda que se tratasse de uma construção de proporções modestas constituída por igreja, sacristia um compartimento para casa do despacho, além da tribuna para a Mesa e os espaços de circulação entre estas diversas dependências.
Sem documentação que precise datas de construção, arquitectos, artistas que intervieram na sua edificação, corre-se sempre o risco de não ser exacto, mas a sua estrutura define-se antes de um documento de Pedro de Castro de 1538, onde se deduz que estaria concluída e muito em breve a iniciar obras de alargamento.
O crescente aumento do número de irmãos, ampliando os seus rendimentos, e a inevitável necessidade de espaço para enterrá-los, levaria ao alargamento da igreja, comprando-se para essa finalidade duas casas na rua da Misericórdia.
Para a centúria de Seiscentos temos duas informações importantes. O provedor Francisco Machado Botelho, que tinha mandado rebaixar todo o corpo da igreja, mandou organizar, em 1626, as sepulturas. Estas dispunham-se em fiadas que começavam na portada da sacristia e terminavam na portada principal. Um inventário, infelizmente incompleto, com adições posteriores, permite reconstituir parcialmente a sequência das sepulturas, que constituem até ao século XIX um dos aspectos importantes do interior da igreja e que exige, com frequência, obras de conservação e melhoramento.
Para o século XVII temos também a notícia das obras importantes mandadas fazer pelo doutor Matias Álvares Mourão, no tempo em que foi provedor da Santa Casa da Misericórdia. Segundo a Rellação de Villa Real (1721), o então provedor mandou: fazer uma "grande e majestosa tribuna" para nela se expor o Senhor; dourar e "apainelar de figuras todo o vão da mesma tribuna"; colocar azulejos nas paredes e pintar de "brutesco" o tecto da igreja. Três aspectos são de realçar nesta intervenção: a introdução do trono para o Santíssimo Sacramento, prática que se generaliza em Portugal na segunda metade do século XVII, e sobre a qual encontramos muitas informações em Vila Real e seu termo; o revestimento de azulejo, que tendo uma longa tradição na arte portuguesa começa, no Norte, a disputar espaço com a talha dourada e policromada; e finalmente a permanência na cobertura da pintura com grutescos, sintoma de uma tradição que não se alterara desde o século XVI.
A notícia referida permite-nos também ter, ainda que parcialmente, uma visão do interior da igreja da Misericórdia, nos anos setenta do século XVII, que se apresentava como tantas igrejas suas contemporâneas. Interiores onde a presença do ouro da talha se harmoniza com a policromia do azulejo seiscentista (os cuidados com a conservação dos azulejos aparecem referidos nas despesas do século XIX, onde se referem consertos feitos, por caiadores, em 1830 e 1832, no azulejo da igreja) e os ornatos das pinturas.
Para o século XVIII, não temos também muitas informações sobre obras. A Santa Casa da Misericórdia de Vila Real não tinha grandes recursos, razão pela qual as principais iniciativas se encontram ligadas a alguns provedores ou à contribuição de particulares, situação que fez parte, ao longo do tempo, da sua história patrimonial.
A obra principal da centúria de setecentos vem referida no termo da Mesa de 3 de Maio de 1725. O provedor António de Figueiredo e Barros mandou fazer à sua custa o acrescentamento da capela-mor, com o qual "acrescia junto do altar-mor terrado em que se podia fazer dois jazigos ou sepulturas". Por esta razão, pedia aos irmãos da Mesa que lhe fosse dado aquele espaço para seu enterramento e de seus herdeiros. O seu pedido foi aceite, tendo-lhe sido concedidos os dois "terrados, pois muito mais dera, devido à grandeza com que fez as obras bem manifestas que fez na dita igreja com liberal despesa".
Um aspecto que merece ficar registado em relação ao património relacionado com as imagens chega através de uma notícia de 2 de Setembro de 1779, pela qual sabemos que o provedor, atendendo a que o sacristão da igreja da Misericórdia não podia "comodamente assistir a todas as obrigações da mesma por serem muitas com aquelas perfeições, zelo, e limpeza que se requerem", foi eleito para zelador das sagradas imagens do Senhor do Túmulo, Nossa Senhora das Lágrimas, Senhor dos Passos e Ecce Homo, o irmão António Pereira de Azevedo e Faria.
Assim, ainda que existindo informações escassas, podemos concluir que, ao chegarmos aos finais do século XVIII, a Santa Casa da Misericórdia era um edifício que mantinha a sua estrutura definida a partir do século XVI, mas aumentada ao nível da capela-mor e enriquecida com novos retábulos, o que foi uma prática corrente nos espaços sacros setecentistas portugueses.