A fundação da Misericórdia de Vila Real
As origens da Misericórdia de Vila Real têm de ser analisadas no contexto da fundação das misericórdias da província de Trás-os-Montes, e do empenho do rei em disseminar tais instituições, tendo como paradigma a Misericórdia de Lisboa, a todo o território português. Assim, ainda no reinado de D. Manuel I (1495-1521), em Julho de 1518, foi outorgada à Misericórdia de Bragança autorização para se reger pelo compromisso de Lisboa, de 1498, a Misericórdia de Freixo Espada à Cinta terá sido criada antes de 1521, e a Misericórdia de Chaves teve o seu compromisso impresso em 1516.
A fonte mais antiga existente no fundo documental da Misericórdia de Vila Real, que atesta inequivocamente a sua existência, data de 20 de Março de 1528. Trata-se de uma escritura de compra de uma morada de casas destinada a edificar a igreja desta confraria. Só que este documento diz respeito ao ano de início da construção da Igreja da Misericórdia, não à fundação da confraria, que antecedeu a existência do próprio templo.
Outras fontes, contudo, apontam seguramente para a existência da Santa Casa de Vila Real antes dessa data, nomeadamente um alvará da marquesa de Vila Real, de 1518, e a referência a um livro de foros da Misericórdia, de 1503, que consta do Tombo Novo, datado de 1795.
As Memórias de Vila Real, de 1721, vão no mesmo sentido, ao registarem que a Igreja da Santa Casa da Misericórdia se conservou numa capela da freguesia de São Dinis até 1528, ano em que Pedro de Castro, protonotário apostólico e abade de Salvador de Mouçós a "reedificou", isto é, refundou ou instalou em casas que comprou em Vila Real, fazendo-a "com a grandeza que hoje tem", com casa de despacho e instalações anexas, "a seu próprio custo, tudo de pedra de cantaria bem lavrada, com muita grandeza".
Este texto, corroborado pelos documentos já referidos, revela dados muito importantes para se conhecerem as origens da Misericórdia de Vila Real: em primeiro lugar, permitem datar o ano de início da construção da Igreja da Misericórdia em 1528, a qual estaria já concluída dez anos mais tarde, em 1538, ano em que Pedro de Castro nela instituiu uma capela de missa diária; em segundo lugar, a Santa Casa já existia devidamente estruturada em 1528, e portanto, com um compromisso que regia o seu governo, nomeadamente a eleição do provedor – que é referido na escritura de compra, – e da Mesa; em terceiro lugar, a Santa Casa de Vila Real, antes de 1528, já existia numa capela da freguesia de São Dinis, à semelhança, aliás, do que aconteceu com outras misericórdias nos seus primórdios.
A grande influência de que gozavam os condes de Vila Real na corte – Pedro de Meneses foi elevado ao título de marquês de Vila Real justamente em 1489, ano da fundação da Misericórdia de Lisboa –, levaria a que este, sabendo do empenhamento do rei na fundação de misericórdias no Reino, tivesse acarinhado de imediato o projecto de uma Misericórdia em Vila Real, à semelhança do que aconteceu com a Casa de Bragança em Chaves e Bragança.
Todos estes elementos permitem-nos concluir que a fundação da Misericórdia de Vila Real não só é anterior a 1528, como diz respeito ao reinado de D. Manuel I, à semelhança, aliás do que aconteceu com as misericórdias dos três burgos transmontanos referidos.