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Capela de Santa Ana (Vila Real)

A Capela de Santa Ana, assim como a colegiada nela instituída, foram fundadas no século XVIII, em Vila Real, por vontade do Dr. Jerónimo Botelho Correia Guedes do Amaral, expressa no seu testamento feito na cidade da Paraíba do Norte (actual João Pessoa, capital da Paraíba do Norte), em 10 de Dezembro de 1738, que parta tal deicava uma avultada verba e os rendimentos do engenho de Gargaú, devendo terminar-se a capela com os rendimentos dos dez mil cruzados, que tinha “aplicado para a dita Capela”, e com algumas remessas do dinheiro que lhe deviam no Brasil, caso os testamenteiros o conseguissem reaver. Concluído o edifício, deixava bens para o seu património e capelães, que seriam em número de cinco.

Asseguradas as verbas para a construção da capela e manutenção da colegiada – “estipêndio capaz de rezarem em coro, para que possa ter princípio de Colegiada” – o rendimento seria anualmente dividido em três partes: a primeira, chamada real, para ser distribuída entre os cinco capelães, “que nomeio para esta Capela, dois simples e dois colados”; a segunda, para a fábrica da capela; e a terceira, para o erário (demandas, propinas, despesas para a cobrança, etc.).

Desconhecemos a data precisa da extinção da colegiada de Santa Ana de Vila Real. Caso não tenha sido extinta em 1834 – as colegiadas foram extintas, como aconteceu com as ordens religiosas, pelo decreto de 30 de Maio de 1834 – não sobreviria a partir de 1848. Pela lei de 16 de Junho de 1848 (Diário do Governo n.º 145, Lisboa, 20 de Junho de 1848), o Governo foi autorizado “a proceder, com o concurso da autoridade eclesiástica, à extinção, supressão e organização das colegiadas do Reino”. Da extinção ficaram “exceptuadas as colegiadas insignes”, que acabariam por ser suprimidas pelo decreto de 1 de Dezembro de 1869, excepto a colegiada de Nossa Senhora da Oliveira, em Guimarães, com estatutos aprovados em 1891. Como referimos, se a colegiada de Santa Ana de Vila Real tivesse sobrevivido ao vendaval de 1834, não sobreviria a 1848, já que no artigo terceiro do decreto mencionado ficavam logo extintas as colegiadas que tivessem menos de sete beneficiados, o que era o caso da colegiada de Vila Real.

Sobre a Capela de Santa Ana desconhecemos a data da sua construção, quem foi o autor do projecto, e quem a executou. Temos conhecimento que, em 25 de Agosto de 1743, foi feito, em Vila Real, um documento de obrigação para a fábrica da Capela da Colegiada de Santa Ana, para dar cumprimento à vontade expressa em testamento pelo dr. Jerónimo Correia Guedes do Amaral, no qual “ordenou que lhe edificassem uma capela com comodidade para nela se constituir uma colegiada”, e para as quais tinha deixado a quantia de dezoito mil cruzados. O mesmo documento refere que o tempo “taxado pelo testador para a edificação não permitia mais dilações”, razão que levou à feitura do documento de obrigação por parte de José Botelho do Amaral, morgado de Vila Cova, e de sua mulher D. Ana Luísa Pimentel. Em 3 de Novembro de 1743, foi passada provisão para a sua fundação da capela, por D. Eugénio Boto da Silva, bispo de Atalónia, coadjutor do arcebispo D. José de Bragança. Com estes dois documentos, poderemos situar a sua edificação na década de quarenta de Setecentos, tendo como referência os anos que se seguem a 1743.

A Capela de Santa Ana, que hoje completa a fachada principal do edifício da Santa Casa da Misericórdia de Vila Real, e que anteriormente desempenhou a mesma função em relação à Casa dos Morgados de Vila Cova, é pela sua fachada, de acentuada verticalidade, um edifício que se insere, por essa característica, numa tipologia arquitectónica desenvolvida em Vila Real e seu termo, em meados do século XVIII, e documentada em três outros magníficos exemplares: a igreja de São Paulo (conhecida também por Capela Nova, igreja dos Clérigos e igreja de São Pedro Novo), cuja fachada foi levantada entre 1753/54-1756, e executada pelo mestre de pedraria João Lourenço de Matos; a capela de Santo António, em Arroios, iniciada a partir de 1731, e cujo historial construtivo desconhecemos; e a capela de Nossa Senhora dos Prazeres, da Casa de Mateus, concluída nos finais da década de cinquenta – como se depreende da leitura da carta escrita, em 15 de Outubro de 1757, por D. Leonor Ana Luísa José de Portugal Sousa Coutinho a seu marido, D. Luís António de Sousa Botelho Mourão (“Estimo esteja de parecer de se acabar a capela”) – e atribuída a José Álvares do Rego.

O frontispício da Capela de Santa Ana, onde a acentuada verticalidade, como dissemos, domina a composição, é constituída por duas áreas: o corpo da capela e o seu coroamento (ou cimalha), sendo este formado por um ático e um frontão que o remata; no lado direito, e num plano ligeiramente recuado, encontra-se a torre sineira.

No corpo da capela (ladeado por pilastras de canto) rasgam-se seis vãos: uma portada e cinco janelas, duas ladeando a parte superior da portada, situando-se as restantes três (a central de maiores dimensões do que as laterais) por baixo do entablamento, com o qual a janela central está interligada. Na portada, são de realçar as duplas ombreiras (a exterior de menor altura), recortadas e rematadas por mísulas (onde assentam elementos decorativos); o lintel alteado (onde se procurou também dotá-lo de movimento); e, principalmente, o frontão contracurvado com o tímpano decorado com motivos vegetalistas.

Nas duas janelas laterais à portada, a rigidez exterior das ombreiras é contrariada pelas estruturas convexas interiores das mesmas (o que cria um vão de grande originalidade), e pela exuberância decorativa com que se compôs o peitoril e o lintel. Na parte superior abrem-se três vãos. A janela central, de maiores dimensões, apresenta dois elementos que reforçam a sua presença no corpo da capela: na parte inferior do peitoril, um elemento de acentuada ondulação enquadra superiormente a portada; e na parte superior, o lintel é rematado por um frontão de acentuada ondulação, com decoração vegetalista, que vai surgir no tímpano sob a forma de uma flor de lis. Finalmente, os dois vãos que ladeiam a janela central apresentam um peitoril e um lintel quebrados, e de acentuado movimento descendente e ascendente, dominando em ambos uma decoração vegetalista de alguma pujança.

No ático (enquadrado por duas pilastras e duas aletas decoradas com festões) do coroamento do corpo da fachada encontra-se uma pedra de armas (Guedes, Amaral, Correia, Botelho), com elmo, timbre e paquife, com a forma de dois festões ondulantes. O remate faz-se por um frontão curvo interrompido (de arco abatido) onde, na parte central, numa espécie de acrotério, se levanta uma cruz.

No frontispício da Capela de Santa Ana encontramos uma permanência da linguagem formal e decorativa do barroco da transição da primeira para a segunda metade de Setecentos. A busca do efeito de surpresa, provocado pela variedade dos vãos, a acentuada verticalidade do eixo, constituído pela portada / janela principal / pedra de armas / chaves dos entablamentos / cruz, e a decoração vegetalista, contribuem para a sua ligação ao Barroco vigente no Norte e em Vila Real, que se encontra na sua fase de transição para um tardobarroco/rococó. Se esta é a primeira sensação que temos ao observar a fachada, existe algo que nos leva a ver nela algo de diferente das suas congéneres já referidas: uma menor volumetria nos elementos estruturais e decorativos; uma sensação de um certo despojamento; uma presença mais marcante dos espaços vazios, uma ausência de escultura e de outros elementos decorativos, frequentes no Barroco.

Esta realidade poderá ser o resultado de várias circunstâncias. Um riscador diferente daqueles que contemporaneamente executaram os edifícios referidos? Um projecto elaborado fora do meio onde o edifício foi levantado? Ou ainda, o seu autor foi alguém de Vila Real (existiam importantes mestres pedreiros na época da construção da capela) que, seguindo alguns modelos pré-existentes, executou o seu com alguma modéstia no fulgor das formas? Estas e outras razões podem explicar o modelo analisado, mas resta o mistério de quem riscou a capela, e esse, só se desvenda quando aparecer o documento que o revele.

O interior define-se por dois corpos quadrangulares (capela-mor, de alçados ligeiramente côncavos, e entrada/coro), e um corpo central de forma octogonal. Este último é constituído pelos vãos da entrada/coro, e da capela-mor; por dois alçados côncavos, antecedidos por arcos de volta perfeita; e por quatro panos enquadrados por pilastras, onde se rasgam vãos para púlpitos e tribunas. Esta planta, ainda que numa outra dimensão temporal e estrutural, lembra o projecto para a igreja de São Filipe Neri, em Turim, da autoria de Michelangelo Garove (1648-1713), onde um octógono central é antecedido e precedido por duas estruturas quadrangulares.

O coro da Capela de Santa Ana assenta num arco abatido com caixotões no intradorso. Nas paredes da entrada e da capela-mor rasgam-se simetricamente duas portas. No primeiro caso, uma para acesso a um pequeno baptistério e outra ao coro e torre sineira; no segundo caso, uma para dar passagem (lado da Epístola) à sacristia, e outra para a antiga residência dos morgados de Vila Cova (lado do Evangelho). Diversas aberturas permitem a entrada de luz no interior, enriquecido pela qualidade do desenho arquitectónico, pela talha dos retábulos, pelos púlpitos e tribunas, nas ilhargas, e por uma cobertura central de tipo cupular.

Na capela existem três retábulos: o retábulo-mor de imponente estrutura rococó e dois laterais de gosto clássico pela estrutura, pela decoração e pela policromia. No arco cruzeiro vê-se uma sanefa de gosto neoclássico, que pertencia à capela de São Jerónimo do antigo Hospital.

Na capela-mor, do lado do Evangelho, num arcossólio (rematado por um arco canopial), encontram-se as ossadas do dr. Jerónimo Correia Guedes do Amaral, vindas da Paraíba do Norte, como era sua vontade.

Após a aquisição do Colégio de Nossa Senhora do Rosário, que traria a capela de Santa Ana para a posse da Santa Casa da Misericórdia, os restos mortais da família Rodrigues de Freitas foram trasladados da capela de São Jerónimo para a de Santa Ana e colocados nas paredes que suportam o coro. Duas lápides recordam a presença os dois benfeitores do Hospital. Nestas lápides não se refere o sobrinho Jerónimo que, em 1823, foi trasladado da igreja do Convento de São Francisco para a capela de São Jerónimo do Hospital da Divina Providência.

 

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