Movimento hospitalar
Se tivéssemos que traçar muito sumariamente um perfil do doente que passou pelo Hospital da Divina Providência durante o século XIX, diríamos que era homem, solteiro, entre os 25 a 60 anos, e natural de Vila Real, constituindo praticamente dois terços do total dos pacientes aí atendidos.
No caso das mulheres, a sua ida para o Hospital da Divina Providência, no início do século XIX, era mais problemática, embora, com o tempo, o seu número fosse aumentando. São várias as explicações, de natureza cultural, económica ou psicológica, para este comportamento – maior resistência em abandonar a família ou, por outro lado, o consentimento desta –, sem falarmos na falta de condições físicas do hospital ou de resposta para o tratamento de certas doenças próprias da condição feminina.
As crianças também estão pouco presentes nos registos de internamento, realidade comum a outros países. Apesar de constituírem um grupo com maiores níveis de mortalidade, as crianças permaneceram durante muito tempo como um ser exclusivo do meio familiar e doméstico, a quem era devotada pouca atenção.
Entre os adultos, destacamos os solteiros, seguidos dos casados. No caso dos viúvos, as mulheres evidenciavam-se. A estrutura etária seria determinante para a predominância das viúvas face aos viúvos, mas poderá ter existido uma razão sociocultural associada, para a qual Isabel Sá já chamou a atenção, ao afirmar que as mulheres "surgem também como beneficiárias da assistência" a partir do momento em que o seu estado civil as coloca "numa situação de vulnerabilidade", nomeadamente no caso das viúvas pobres.
Globalmente, tendo em consideração todo o período para o qual dispomos do registo de entradas no Hospital da Divina Providência (1796-1888), podemos considerar duas fases: a primeira, de 1796 a 1852, em que o número de doentes cresce lentamente, não ultrapassando, regra geral, os 400; a segunda, entre 1853 e 1888, em que o número anual de doentes é sempre superior a 600.
Com efeito, os doentes entrados anualmente no Hospital não chegaram aos 100 no período de 1796 a 1827 – com a excepção de 1804, 1808, 1823 e 1826 – subiram muito significativamente, ultrapassando os 200, durante o miguelismo e a guerra civil, nos anos de 1828-1835 (530 entradas em 1833, ano da colera morbus) mantiveram-se, em geral, acima dos 200 entre 1843-1852 e, subitamente, a partir de 1853, saltaram para os 575, mantendo-se até 1888 sempre acima dos 500, e chegando, em 1886, às 976 entradas, o número mais elevado desde a fundação do Hospital.
A expansão das suas instalações parece constituir o factor explicativo determinante deste elevado acréscimo de entradas na segunda metade do século XIX, que coincide com o início da Regeneração, e que se vai desenvolver no século XX.