Festividades e Exéquias
A Misericórdia de Vila Real associava-se aos festejos ou exéquias da família real que ocorriam no burgo. Em 1800, por exemplo, fez-se a iluminação da igreja, nas noites de luminárias, pelo nascimento da infanta Maria Francisca de Assis (1800-1834). Em 1802, colocou luminárias pelo nascimento do novo infante, Miguel (1802-1866). Em 1806, luminárias pelo nascimento da infanta Ana de Jesus Maria (1806-1857). E em 1833, luminárias pelo aniversário de Miguel I, rei de Portugal (1828-1834).
Ainda no contexto da ligação da Santa Casa da Misericórdia à família real, um aspecto muito interessante pode ser apontado relativamente à deliberação da Mesa de 1 de Julho de 1872, determinando-se que ficasse adiada para o dia 7 do mesmo mês a abertura ou exposição ao público do Hospital, “conforme anualmente se costuma fazer no dia da Santa Isabel, porque estando próxima a chegada de D. Luís I a Vila Real, era conveniente e até decente que fosse visitado primeiro por el-rei o mesmo estabelecimento”. A Misericórdia participou ainda em cerimónias fúnebres que ocorreram em Vila Real, nos séculos XVIII e XIX, aquando da morte dos reis ou rainhas de Portugal.
As festividades relacionadas com a eleição da Mesa revestiam-se de grande solenidade, sendo ilustrativos os exemplos que se seguem, relativamente à armação feita na igreja para esse fim específico: em Julho de 1829 fizeram-se despesas com o armador, ramos e luminárias; em 1845, José Narciso Júnior fez a armação da igreja no dia da eleição, que serviu até ao dia da posse da Administração; em 30 de Julho de 1846, o armador António Gomes Carneiro recebeu 2$400 réis pela armação que nesse dia fez na igreja, e que serviu para o dia 2 de Julho seguinte, no qual teve lugar a eleição da futura Administração; e em Agosto de 1848, o armador António Gomes Carneiro armou a igreja para a eleição desse ano.
Entre as cerimónias mais importantes que ocorriam em Vila Real, para além das da Semana Santa, que tratamos separadamente, outras se realizavam, também elas significativas, ao longo do ano: os irmãos mandavam cantar missa no dia de São Dinis; festejavam o dia de Nossa Senhora da Conceição (em 1849, fizeram a festa de Nossa Senhora da Conceição na Igreja); e comemoravam o dia de Santa Isabel (em Julho de 1834, armaram a Igreja no dia de Santa Isabel).
Anualmente, no dia de São Martinho, e de acordo com o estipulado no Compromisso, era celebrado o aniversário geral “pela alma de todos os irmãos falecidos”, cerimónia considerada obrigatória, e à qual concorria um número avultado de sacerdotes. A celebração das exéquias dos benfeitores era igualmente objecto de importantes cerimónias.
Entre as muitas obrigações a que a Santa Casa devia dar cumprimento, estava determinada, nos Estatutos do século XIX, a distribuição, na Quinta-feira Santa, de vestuário a doze pobres que comprovassem a sua situação carenciada; para esse efeito, era distribuída, dez dias antes da votação, uma lista dos pretendentes a todos os mesários para que estes seleccionassem os mais necessitados. Inserido neste espírito de misericórdia, a Santa Casa dava também anualmente um jantar aos presos da cadeia, no Domingo de Páscoa.
Um documento precioso de 1822 oferece-nos uma panorâmica das muitas obrigações relativas a encargos pios e religiosos a que estava obrigada a instituição, desde missas diárias, missas anuais, missas em dias festivos, missas por alma dos irmãos defuntos no dia de São Martinho, cerimónias a realizar durante a Quaresma e Semana Santa, esmolas a dar aos pobres, e cumprimento de legados pios. Devemos mencionar a indicação de ser um costume antigo rezar uma missa no dia da Purificação de Nossa Senhora, mandar celebrar em dia de São Martinho uma missa pela alma dos irmãos defuntos, e dar esmola aos presos na Quinta-Feira Santa.
Deviam ser feitas preces públicas todas as sextas-feiras da Quaresma, visitando-se as igrejas de Vila Real, por seu turno, terminando-se na igreja de São Domingos, onde se celebrava uma missa. Segundo um “antiquíssimo costume”, devia realizar-se a Procissão dos Santos Passos num dos domingos da Quaresma, fazer-se a exposição do Santíssimo Sacramento em quinta-feira santa, bem como a Procissão do Enterro do Senhor na sexta-feira da Paixão.
Contudo, temos de ter presente que todos estes encargos se tornavam por vezes incomportáveis, como se depreende das decisões tomadas pela Mesa de 26 de Outubro desse mesmo ano, que tendo “em consideração a grande despesa que se fazia na prontificação de um Anjo para as procissões de Domingo de Passos e Sexta-feira de Paixão, e com os ramos que se dão aos irmãos no dia da eleição, resolveram de hoje em diante não voltar a fazer estas despesas”.